EXPERIÊNCIAS INESQUECÍVEIS

Sala de Leitura da EMEF Vilanova Artigas
      Para quem nasceu e cresceu no interior do Maranhão (Padilha/Cajapió), o espaço era  um lugar onde crianças e adultos desafiavam a natureza em todas as suas formas, seja no tangente às reinações, seja no trabalho. Meu pai chegava da roça no fim da tarde e revelava os tesouros que trazia: mangas minúsculas, palmito fresquinho, pitomba, a menor melancia. A disputa pelo prêmio, resolvia-se com a promessa que, se repartida a fruta, haveria história antes de dormir. E assim eram nossas noites, engalfinhados nas pernas do meu pai pro caso de ficarmos com medo, porém, atentos e ávidos para o que viesse. Desta experiência, vem a clareza  da estreita relação entre a criança e o fantástico. A  musicalidade do povo do campo e da roça, é algo que me sensibiliza muito na cultura maranhense. Além disso, meu pai tocava sanfona, banjo, rabeca e violão, sem nunca ter frequentado uma escola de música. Minha mãe, professora leiga, além de me ensinar a ler muito cedo, me iniciou no canto com suas performances que ficaram na minha memória. Foi saindo dessa realidade campesina (meu pai vendeu tudo para que pudéssemos estudar na capital) que me vi às voltas com a escola.  Quando estudei o primário, no Maranhão, tínhamos aula aos sábados, e esse era o único dia em que a escola nos permitia o acesso aos livros da biblioteca. Nós nunca entramos lá, a professora é quem trazia os livros, motivação principal para estarmos lá, num sábado. 
      É na infância que vamos assimilando as primeiras  idéias de mundo, como ele se forma e evolui. O caminho que melhor define o desenvolvimento dessa fase é a palavra, em seguida vem a palavra escrita e a iniciação ao mundo da literatura infantil. Portadora do sensível, a criança mergulha nas provocações feitas pelas palavras escritas. O grande diferencial de Andersen, escritor universal, foram suas experiências, na infância, com as histórias. É compreensível, então, que haja uma estreita relação entre a criança e o fantástico  que é  notória.  Quando se lê para elas, percebe-se  rostos que se transfiguram, corpos que  se tele transportam para outros universos, alguns ficam invisíveis, embora  estejamos vendo-os ali.  Para Piaget, (1971) quando a criança brinca, ela  interpreta o mundo à sua maneira, não há compromisso com a realidade, pois ela atribui os sentidos de acordo com sua interação com o mesmo. No jogo simbólico, ela atribui diferentes significados para um mesmo objeto. Na aprendizagem formal, isso não é possível,  pois cada objeto tem sua significação e finalidade única. O óbvio da pesquisa de Piaget (1971) é que o faz-de-conta promove o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social da criança. A literatura, na escola, permite sem formular exigências, que a criança por si só reflita sobre sua condição pessoal de ser no mundo.  Alguns educadores ou especialistas podem concluir que a literatura pode ser uma complexa forma de lidar com a linguagem das palavras, ou seja, uma linguagem de difícil aprendizado, até para eles próprios. Então, a revelia de se aprofundarem no assunto, buscando fundamentação teórica, sugerem  leituras menores, simplificadas, sufocando a maravilhosa capacidade de interação do imaginário infantil. É uma forma equivocada de compreensão da criança, e reduzi-la a um ser de inteligência menor, incapacitada para leituras tão estruturadas. Em resposta à pesquisa de Maria Dinorah(1995), Carlos Drummond de Andrade, se expressou assim sobre a Literatura infantil:

Haverá  música infantil?  Pintura infantil? 
 A  partir de  que ponto  uma deixa de  constituir  alimento para  o espírito  
da   criança ou  do  jovem e  se dirige ao espírito   do   adulto?   Qual  o   bom
  livro  para  crianças  que não seja   lido   com    interesse
    pelo  homem    feito?  Qual    o    livro  de    viagem ou   aventuras, 
  destinado   a   adultos,  que   não  possa   ser   dado    a   crianças, desde
  que  vazado em  linguagens  simples  e  isento  de ateria de escândalo? 
(1940, DRUMONDDE ANDRADE, apud, DINORAH , 1995, p.27)                         
        
A  fala  de  Drummond  aponta  para  o  cuidado  ao  nomear  um  tipo  específico  de texto para criança, desvalorizando sua capacidade  de escolha  e  de  formulação  de valores. Significa que o  professor deve nortear seu trabalho, acreditando que a criança já possui uma estrutura de pensamento e um repertório próprio, com potencialidades, este será um fator primordial para que ele próprio compreenda a importância da ampliação do repertório para o trabalho com literatura. Nesse sentido, um acervo de histórias tradicionais, assombrosas, fantásticas ou aventurosas, contos tradicionais maravilhosos, devem fazer parte do seu material de leitura e de trabalho, pois são matéria prima da arte literária e não  se pode negar sua função primeira, que é encantar a todos, sem distinção, e isto inclui primordialmente a criança. A ela cabe a tarefa simbólica e criativa de desvendar suas facetas. O Professor Antônio Cândido, em seu texto intitulado “O Direito à Literatura” diz que: 
“ a literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade , o semelhante” (Cândido1995, p. 249). Esse pensamento, além de provocar uma reflexão com as fronteiras de nossa  humanidade, aponta um caminho para  aprender a lidar com  nossas limitações, posto que a  literatura ainda é, até os dias atuais, um desafio para muitos educadores. Sendo eles parte dessa realidade onde muitas pessoas só praticam a leitura na fase escolar, uma vez que concluem esta fase, não voltam mais a ler por terem assimilado a leitura como um   dever a ser cumprido, e não como um meio de sintetizar e apreender o mundo e suas relações.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  Excerto do capítulo I 
"Encantamentos Literários, Musicais e Corporais: Chave Mestra para o desenvolvimento da criança 
de corpo inteiro"  Monografia apresentada  ao  Centro Universitário Maria Antônia   da
  Universidade  de  São Paulo para  obtenção do Título de Especialista 
(Maria de Jesus C. Sousa)
                                                     

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