A HISTÓRIA DE CADA UM TEM UMA NARRATIVA PRÓPRIA

INTRODUÇÃO:
Essa é uma história verdadeira, que veio de longe, se fez memória, e  corre pela boca feito sumo de fruta madura. Memória é coisa bonita! Tem sabor, tem cheiro e tem som. Deve andar com a gente. Fazer parte da nossa jornada.

Foi assim, numa jornada, que uma menina saiu de sua terra, lugar de  suas memórias afetivas, onde ela cresceu ouvindo histórias do arco da velha, onde mito e realidade era uma coisa só.

Na bagagem ela trouxe um acervo de histórias tradicionais, assombrosas, fantásticas e aventurosas, ouvidas à luz da lua.

Na sua memória, ávidas crianças, envoltas num misto de curiosidade e medo, aconchegadas, enroscadas, todas prontas  para ouvir a voz de seu pai, o grande mago das palavras.

Os sons da memória acionam nossas memórias afetivas, são as nossas histórias. Esses sons forjam em nós o mito da escuta. Levam-nos ao encantamento, ao alumbramento, como essa história que trago agora, do fundo das minhas memórias mais queridas. Essa menina sou eu, Maria Maranhão, e aqui está a minha versão da história, misturada ao jeito de contar da minha mãe, que já está contando histórias pros anjos e pros passarinhos.

                          A MENINA ENTERRADA VIVA

ERA UM DIA UMA MENINA MUITO BOA E BONITA QUE VIVIA COM SEU PAI, UM VIÚVO BEM APANHADO E MUITO TRABALHADOR.
ACONTECE QUE AQUELE PAI TRABALHAVA DE CAIXEIRO VIAJANTE, E COMO O NOME JÁ DIZ, VIAJAVA POR DEMAIS E A MENINA FICAVA MUITO SÓ.
A MÃE DA MENINA TINHA MORRIDO EM TEMPOS QUE JÁ, LÁ VÃO...!
E FOI NESSES TEMPOS, QUANDO A SAUDADE AINDA ROÍA, QUE UMA VIZINHA MUITO INTERESSEIRA E MÁ, QUE MORAVA PELAS REDONDEZAS DO LUGAR, DEU DE PRONTO E PRESENÇA DE SE APROXIMAR DA MENINA.
AQUELE BOTÃOZINHO DE FULÔ AINDA NÃO TINHA CONHECIMENTO PROFUNDO DAS MALDADES HUMANAS.
AQUELA DESALMADA SÓ TINHA UM INTENTO: CASAR COM O VIÚVO E DESFRUTAR DE SUAS POSSES. PARA ISSO ELA PREPAROU UMA ARMADILHA PARA A MENINA.
SEMPRE QUE PASSAVA POR PERTO DA CASA DO VIÚVO, CONVIDAVA A MENINA PARA IR À SUA CASA E LHE DAVA DOCES E FAVOS DE MEL. A MENINA FOI FICANDO ENCANTADA PELA VIZINHA.
FOI ASSIM QUE ELA FOI GOSTANDO E GOSTANDO DO JEITO DA VIZINHA, QUE ALÉM DE TRATÁ-LA COM DENGOS E CARINHOS, LHE PENTEAVA OS CABELOS BEM DO JEITO QUE SUA DEFUNTA MÃEZINHA FAZIA.
ATÉ QUE UM DIA, O PAI VOLTOU DAS MUITAS VIAGENS.
A MENINA APROVEITOU PARA FALAR DA VIZINHA, DO QUANTO ELA ERA BOA PARA ELA QUE LHE PENTEAVA OS CABELOS E QUE SEMPRE LHE DAVA DOCES E MEL. DEPOIS DE OUVIR TANTO ELOGIO, O PAI RESPONDE:
- HOJE ELA TE DÁ MEL, AMANHÃ DARÁ FEL.

MAS A MENINA TANTO INSISTIU, TANTO FALOU, TANTO ELOGIOU QUE O PAI COMEÇOU A REPARAR NA VIZINHA. TANTO QUE COMEÇOU A SE APROXIMAR.
TANTO QUE COMEÇOU A GOSTAR.
TANTO QUE COMEÇOU A...NAMORAR.
TANTO QUE...RESOLVEU SE CASAR COM ELA.
NO DIA DO CASÓRIO, A VIZINHA ESTAVA POR DEMAIS DE SATISFEITA DE VER SEU INTENTO REALIZADO.
O PAI ESTAVA ANSIOSO POR ESSA NOVA VIDA. MAS, A MAIS FELIZ DOS TRÊS, ERA A MENINA, QUE JÁ SONHAVA COM A VIDA MARAVILHOSA QUE TERIA COM AQUELA QUE SERIA SUA MÃEZINHA.
FOI ASSIM QUE NO DIA SEGUINTE, O PAI TEVE QUE VIAJAR CEDO PARA CUIDAR DE SEUS NEGÓCIOS, E A MENINA, QUE AINDA DORMIA, FICOU  SÓ COM A MADRASTA.
AO ACORDAR, A MENINA ENCONTROU SUA MADRASTA A PENTEAR-SE SENTADA NUM BANQUINHO, EM FRENTE A ÁRVORE PREFERIDA DO SEU PAI. UMA GRANDE FIGUEIRA.
SENTINDO A FALTA DO PAI, A MENINA CORREU A SE ANINHAR NO COLO DELA, QUE A EMPURROU DE MODO GROSSEIRO DIZENDO:
- TÁ PENSANDO O QUE, SUA PREGUIÇOSA? NÃO TEM O QUE FAZÊ, NÉ? POIS A PARTIR DE AGORA NÃO TEM MAIS BRINCAÇÃO NÃO. TEM É CHÁO PRÁ ESFREGAR, LOUÇA PRÁ LAVAR, PÓ PRÁ TIRAR E DEPOIS VÁ LAVAR TODA AQUELA ROUPA DO CASÓRIO.
E A MADRASTA FOI DITANDO TUDO QUE A MENINA TINHA QUE FAZER A PARTIR DAQUELE DIA.
-E TEM MAIS! ESCUTE BEM MENINA, QUANDO O SOL TIVER LÁ EM CIMA, BEM NO ALTO... ESPIA BEM COM ESSES ÓIO PREGUIÇOSO... QUANDO O SOL TIVER BEM ENRRIBA DA TUA CABEÇA, O SERVIÇO TODO TEM QUE TÁ ACABADO, PORQUE TU VAI CUIDAR TODO DIA DESSA FIGUEIRA. EU NÃO QUERO COMER NENHUM FIGO BICADO POR PASSARINHO, ENTENDEU BEM MENINA? NENHUNZINHO!!!
AS COISAS ACONTECERAM DESSE JEITINHO COMO EU TÔ CONTANDO. A MENINA SE ASSUSTOU NO COMEÇO. PENSOU QUE QUE AQUILO ERA PASSAGEIRO, MAS, NÃO PASSOU. CADA DIA ERA PIOR QUE O OUTRO.
ELA AGORA ANDAVA SUJA E MALTRAPILHA.
QUASE NÃO COMIA.
VIVIA CANSADA. QUASE NÃO DORMIA.
OS PASSARINHOS JÁ CONHECIAM A VOZ DELA QUE FOI FICANDO FRAQUINHA, FRAQUINHA.
-XÔ, PASSARINHO! XÔ PASSARINHO!
POBRE MENINA. TANTO QUE CHOROU. TANTO QUE PEDIU QUE O PAI VOLTASSE. ELE NÃO VOLTOU.
FOI ASSIM QUE UM DIA, DEPOIS QUE FEZ TODO O SERVIÇO, ELA FICOU DEBAIXO DA FIGUEIRA ENXOTANDO OS PASSARINHO. MAS A CANSEIRA ERA TANTO QUE ADORMECEU.
QUANDO A MADASTRA VIU A MENINA DORMINDO, PEGOU-A PELOS CABELOS E SAIU ARRASTANDO E BATENDO NA POBREZINHA, ATÉ QUE ELA DESFALECEU.
A MALVADA ENTÃO CAVOU UMA COVA BEM FUNDA ATRÁS DA CASA E ENTERROU A MENINA.
CONTINUOU SUA VIDA COMO SE NADA TIVESSE ACONTECIDO.
UM DIA PORÉM, O PAI HAVERIA DE VOLTAR.
E VOLTOU!
VOLTOU COM SAUDADE DA FILHA. QUERIA ABRAÇÁ-LA. FOI CHEGANDO E CHAMANDO POR ELA. A MADRASTA PORÉM LHE CONTOU UMA HISTÓRIA.
CONTOU DAS MUDANÇAS DA MENINA.
CONTOU QUE NÃO ERA MAIS A MESMA.
CONTOU QUE NÃO GOSTAVA MAIS DO LUGAR.
CONTOU QUE UM DIA FOI EMBORA SEM AVISAR.
O PAI CHOROU. NÃO ENTENDEU.
AMARGUROU.
NÃO VIAJOU MAIS.
UM DIA A MADASTRA RECLAMOU DO CAPIM ALTO QUE CRESCIA ATRÁS DA CASA. FALOU QUE AQUILO INCOMODAVA. PEDIU QUE CHAMASSE UM CAPINEIRO.
O PAI CHAMOU.
O CAPINEIRO VEIO. COMEÇOU LIMPANDO EM VOLTA.
CHEGOU NO CAPIM ALTO. DEU A PRIMEIRA ENXADADA E...
OUVIU UMA VOZ:
      CAPINEIRO DO MEU PAI
      NÃO ME CORTES O CABELO...
      CAPINEIRO DO MEU PAI
      NÃO ME CORTES O CABELO...
O CAPINEIRO APAVORADO CORREU. CHAMOU O PAI. CONTOU DA VOZ.
FALOU QUE QUE TINHA ASSOMBRAÇÃO NAQUELE LUGAR.
O PAI NÃO ACREDITOU.
PEGOU A ENXADA PARA MOSTRAR QUE O VENTO PREGAVA PEÇA. DEU A PRIMEIRA ENXADADA E...
OUVIU AQUELA VOZ:
      CAPINEIRO DO MEU PAI
      NÃO ME CORTES O CABELO.
      CAPINEIRO DO MEU PAI
      NÃO ME CORTES O CABELO.
      MINHA MÃE ME PENTEOU
      MINHA MADASTRA ME ENTERROU
      PELO FIGO DA FIGUEIRA
      QUE O PASSARINHO BICOU
      XÔ PASSARINHO!
O PAI OUVIU AQUELA VOZ. O CORAÇÃO DOEU. ERA A VOZ DA FILHA.
COMEÇOU A ARRANCAR O CAPIM COM AS MÃOS.
CAVOU ATÉ SANGRAR E ENCONTROU A FILHA.
PÁLIDA. SUJA. MAGRA.
O PAI ABRAÇOU AQUELE CORPO.
SENTIU O QUE TINHA FEITO.
SENTIU CULPA.
CORREU PRÁ CASA PARA CUIDAR DE SUA FILHA.
A MADASTRA QUANDO VIU O PAI CHEGANDO COM A MENINA NO COLO PEGOU O QUE PODE E BOTOU O PÉ NA ESTRADA SEM OLHAR PRÁ TRÁS.
DEVE ESTAR ANDANDO ATÉ HOJE, POR CASTIGO, SEM TER PARADEIRO.
O PAI CUIDOU DE SUA FILHA.
AGORA A MENINA SABE QUE É FELIZ.
- XÔ PASSARINHO!


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